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Advisor(s)
Abstract(s)
Aqui se deixam algumas (poucas) considerações para dizer ao que vimos.
Não poderiam deixar de ser acompanhadas, nesta espécie de “Prefácio”, por brevíssimas
reflexões sobre a Misericórdia – objeto primordial deste estudo – e
sobre a efeméride que se vive neste ano de 2018 com as celebrações dos 500 anos
de existência da instituição confraternal.
Começamos por anunciar, desde já, que os ritualismos e as ações
comemorativistas vão ficar marcados pela reedição da obra do Pe. José de Castro
e por este nosso trabalho que, como esperamos, irá ter continuidade.
*
Primeiro Bragança… A história deste microcosmos, não obstante as especificidades
e particularidades que o individualizaram e o singularizaram e
que lhe garantiram (e ainda garantem) uma manifesta “personalidade”, só se explica
se pensarmos na sua integração em espaços mais amplos e em complexos
histórico-geográficos mais vastos com os quais dialoga e se interrelaciona. São
parâmetros que lhe moldaram a existência.
Depois a Misericórdia…A Misericórdia de Bragança, uma inter pares,
que conta com uma longa história, feita de momentos solares e lunares, apesar
da sua identidade, que se manteve ao longo de tão dilatado período de meio
milénio, não constituiu apenas uma (só) Misericórdia. Subsume-se na história
dos homens que fizeram e moldaram o país e a urbe e sofreu as vicissitudes
dos tempos que lhe marcaram e compuseram os diferentes rostos que assumiu
ao longo dos séculos. Sendo uma (una), foi várias. Mas não se pode esquecer
que também ela marcou – num processo interativo – o fácies do aglomerado
brigantino e o seu quotidiano. Foi de facto, por tudo o que se vai ver, um
organismo vivo com uma enorme importância (difícil de avaliar) na construção
da história de Bragança.
Invoquemos, por se ajustarem à instituição brigantina, palavras de Maria
Antónia Lopes… Ao falar da riqueza dos arquivos da Misericórdia de Coimbra,
sublinha, exemplarmente, o significado da associação e a sua ação em múltiplas
frentes, o enorme peso que teve na vida do aglomerado urbano e a interação entre
a irmandade e a comunidade. É que “também nele [Arquivo] encontraremos a vida da cidade, o seu pulsar que tão condicionado foi pela ação da Misericórdia,
polo importantíssimo da vida cívica e esperança única de milhares de seres
desamparados”. E, numa esclarecedora radiografia social, prossegue: “aqui se
cruzam os poderosos da urbe que são também os governantes da Confraria”, os
artesãos que animam a vida económica “e dão corpo à irmandade, os despojados
que a ela recorrem e que são afinal a sua razão de ser e até os padecentes que a
Santa Casa acompanha ao suplício”. Nos arquivos encontra-se – o que também
nos elucida sobre o valimento da associação – “a palavra tornada escrita
de quem é pobre e desvalido, o desespero dos humildes, dos ignorados pela
maioria das fontes e trabalhos históricos porque deles poucas vezes restam
testemunhos. E quem não deixa memória morre definitivamente...”. E ainda
há outra documentação que lança luz sobre o dia-a-dia da irmandade, que
“permite mergulhar no passado da instituição, admirar os esforços dos irmãos,
perceber o jogo de ambições, sorrir com as suas quezílias, compreender os seus
desânimos”. São palavras que servem às mil maravilhas para ajudar a dizer a
Misericórdia de Bragança 1.
*
As Santas Casas foram instituídas, no tempo de D. Manuel, sob proteção
régia, “o que juridicamente as privilegiava e protegia”. Ficava interdita a “visitação”
do Ordinário e seus oficiais, a menos que houvesse autorização régia para
o efeito, o que reforça “o aspecto laico das Misericórdias” 2.
As práticas de “bem-fazer”, inscritas no seu ADN, para além do auxílio
material aos necessitados, não descuravam o acompanhamento das almas.
Desde a sua fundação que a Santa e Real Casa da Misericórdia de Bragança se
vê implicada (como as outras) no cumprimento das obras de misericórdia (sete
corporais e sete espirituais) que foram matriz e húmus de grande parte dos seus
programas e das suas ações. Mas a sua “missão primacial” foi mesmo o socorro
aos pobres e aos miseráveis.
Para comprovar a importância e o poder das misericórdias, se temos que
relevar a inestimável obra assistencial, não podemos esquecer as manifestações
e as realizações pelas quais foram responsáveis nos campos religioso, cultural
e artístico. Todas estas dimensões nos ajudam a compreender o peso que
tiveram no “coração da sociedade”. Sublinhe-se a sua multifuncionalidade, com
uma vasta e plural ação social: assistência hospitalar, assistência aos expostos, concessão de dotes a órfãs pobres e virtuosas, educação de órfãs, “socorro
vitalício a mulheres idosas e desamparadas”, realização de funerais gratuitos a
pobres, fornecimento de remédios, apoio a presos e a sentenciados, esmolas e
distribuição de alimentos… Essa ação ainda sai mais reforçada se pensarmos
que, “muito embora [a Misericórdia] estivesse obrigada a grandes despesas com
o culto por imposição dos legados que recebia, não gastou com cerimónias,
obras ou artefactos de ostentação o grosso das suas receitas, que reservava aos
pobres”. Assim sendo, “não o lamentemos. Tal parcimónia constitui a sua maior
riqueza” 3.
Para além da “vocação assistencial”, elas foram nas muitas localidades
onde se instalaram, espaços “privilegiados de sociabilidade”. A Misericórdia de
Bragança (como as demais) também funcionou como uma importante “rede
de sociabilidade masculina” e foi ainda palco de lutas sociais e de disputas de
poder 4. Tuteladas por entidades temporais – o que convém não esquecer –,
foram (e ainda são) “instâncias de poder e de afirmação social” 5. A luta pelo
domínio das misericórdias tem de ser inserida na história política.
As monografias publicadas sobre as misericórdias, muitas delas notáveis
trabalhos académicos, pautados por novas correntes historiográficas, patenteiam
“as dificuldades por que têm passado estas associações confraternais” e o
seu envolvimento com poderes locais e nacionais 6.
Dos irmãos das misericórdias faziam parte os “importantes” das
localidades: a melhor “nobreza”, as elites e a melhor “gente honrada entre os
oficiais mecânicos”. Como é óbvio, nem todas as “elites” eram iguais – nas
localidades mais modestas o grupo social dominante podia ser constituído,
por exemplo, por comerciantes ou por agricultores …– o que se refletia na
composição do tecido social da irmandade. O perfil dos provedores (também)
acompanhava a configuração social dos seus “notáveis”.
Description
Keywords
Santa Casa da Misericórdia de Bragança
Pedagogical Context
Citation
Monteiro, José Rodrigues; Castro, Marília (2019). A Santa e Real Casa da Misericórdia de Bragança. Percursos e olhares. Bragança: Instituto Politécnico. ISBN 978-972-745-246-0